No julgamento do HABEAS CORPUS 204.422/DF, em que se discutiu o direito de o investigado permanecer em silêncio, derivado do princípio nemo tenetur se detegere, o Ministro presidente do Pretório Excelso, LUIZ FUX, ao acolher parcialmente embargos declaratórios, afirmou, in verbis:
“(…) nenhum direito fundamental é absoluto, muito menos pode ser exercido para além das suas finalidades constitucionais. Nesse ponto, às Comissões Parlamentares de Inquérito, como autoridades investidas de poderes judiciais, recai o poder-dever de analisar, à luz de cada caso concreto, a ocorrência do alegado abuso do exercício de direito de não-incriminação. Se assim entender configurada a hipótese, dispõe a CPI de autoridade para a adoção fundamentada das providências legais cabíveis.”
O trecho destacado sobre a “ocorrência de abuso do exercício de direito de não-incriminação” é ponto central do debate que se propõe. Isto é, em outros termos, busca-se compreender a possibilidade de abuso do exercício de direito de não-incriminação sob a ótica da instrumentalidade constitucional do processo penal brasileiro – processo enquanto meio necessário para chegar a uma pena.
Importante entender que o termo “abuso do exercício de direito de não-incriminação” é comumente citado pelos defensores da corrente do garantismo penal integral e, creio, é justamente na visão dos integralistas que conseguimos dissecar as razões “epistemológicas” por trás do r. decisium do Ministro Fux.
Em brevíssima síntese, para os integralistas, atualmente ocorre uma exaltação desmedida de direitos individuais, gerando negligência ante os deveres e direitos coletivos (como o dever do estado de proporcionar o efetivo direito fundamental à segurança e ordem pública).
Assim, diante da falência da capacidade estatal de “combater a criminalidade”, os integralistas entendem aceitável a flexibilização de certos direitos e garantias individuais – afinal, a supremacia do réu no processo penal gera “desmedida exaltação da liberdade individual e abuso do direito de defesa[1]”. Aparentemente, entende-se que retirar a “supremacia do réu” (sic) permite o processo penal se tornar potencial instrumento político criminal de combate à criminalidade.
A política criminal, todavia, em que pese a redundância, deve ser feita por políticos, e o fracasso destes, ao exercer seu mister, não pode gerar flexibilização de conquistas civilizatórias instransponíveis (direitos individuais conquistados à duras penas). Desse modo, utilizar-se da previsão de garantia constitucional de não autoincriminação não é abuso, é um… direito – e ponto.
Mais, o locus do investigado no processo penal não é de supremacia. Ora, o investigado não é superpoderoso, o Estado é. O Estado, desde que tenha fundadas razões para tanto, pode ter livre acesso a contas bancárias, residências, conteúdo de aparelhos telefônicos. Não é o investigado que pode decidir sobre restrição ou não de sua liberdade em grau máximo (prisão), mas o investigado, “pode” ficar em silêncio – como ousa?
[1] MAGALHÃES, Vlamir Costa. O garantismo penal integral: enfim, uma proposta de revisão do fetiche individualista. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 13, n. 52, p. 202-223, 2010. Disponível em: http://200.205.38.50/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=85602. Acesso em: 27 jan. 202, p. 209.