O art. 33 da Lei n. 11.343/06 é norma penal em branco, pois apesar de definir o crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas[1], não traz a definição de “droga”. A definição de “droga” é encontrada na Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. A cannabis sativa consta na lista “e” da referida portaria e é descrita como “planta que pode originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas”.

Muito além de originar substâncias de efeito entorpecente, a partir da cannabis sativa é possível extrair substância necessária para produção de medicamentos – que podem ser prescritos para o tratamento de diversas doenças[2].

Há, aparente “conflito” se o médico atestar a necessidade de tratamento feito à base de canabidiol (substância extraída da cannabis sativa) – pois, para conseguir o tratamento, o paciente poderia incorrer em uma das condutas penais descritas no já referido art. 33 da Lei de Drogas.

As substâncias definidas como “drogas” são proibidas em território nacional, assim como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais se possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar (art. 2º, caput, da Lei 11.343/06). Nestas hipóteses excepcionais, quem autoriza e regulamenta o uso de medicamentos à base de canabidiol é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que permite sua importação desde 2015 (RDC n. 17/2015). Para tanto, há regras, e a agência realiza uma minuciosa avaliação antes de autorizar a importação.

Após essa – nem tão breve – introdução ao assunto, falaremos sobre a recente decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que julgou habeas corpus cujo a finalidade era a concessão de salvo-conduto para o plantio doméstico e o transporte da cannabis sativa – não se tratava, portanto, da importação do medicamento à base de canabidiol.

[1] Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer.

[1] Canabidiol (CBD) e Tetrahidrocanabidiol (THC) são prescritos para os seguintes tratamentos: alívio de dor crônica e sintomas de esclerose múltipla ou outras doenças crônicas; tratamento da epilepsia; atua como paliativo de efeitos adversos da quimioterapia (https://act.med.br/uso-da-cannabis-em-tratamentos-medicos).

Em síntese, a irreverência da situação se deu em razão do paciente do habeas corpus em questão ter requerido à justiça salvo-conduto para: a) cultivar cannabis sativa domesticamente; b) realizar a extração artesanal da substância com fins medicinais; e c) poder transportar a cannabis sativa em território nacional. O intuito do salvo-conduto era autorização para que a tais condutas, quando realizadas pelo paciente, não ensejassem investigação criminal pelos órgãos de persecução penal.

No caso concreto, é importante destacar que houve a demonstração de necessidade do tratamento por meio de prescrição médica, vasta documentação e chancela da ANVISA.

Por tal motivo, entendeu a Corte que “o que se pretendeu o paciente não era a extração de droga (maconha) com o fim de entorpecimento, mas, tão somente, a extração das substâncias com reconhecidas propriedades medicinais contidas na planta”[3]. Ou seja, no caso não havia dolo de preparar substâncias entorpecentes com as plantas cultivadas e nessa circunstância específica não ocorre lesão ao bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras da Lei de Drogas, qual seja, a saúde pública.Após o julgamento, foi editado o seguinte destaque no Informativo n. 792 do STJ:

É cabível a concessão de salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis Sativa para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, e chancelado pela Anvisa.

Por último, importante delimitar a questão de fundo: a “chancela da ANVISA” referida no destaque. Em tese, a partir de uma leitura das informações do inteiro teor do habeas corpus, entende-se que tal chancela seria a análise e autorização da ANVISA para o paciente importar medicação à base de canabidiol. Ou seja, a autorização da ANVISA para importar medicação à base de canabidiol seria pressuposto para a concessão do salvo-conduto para o plantio (doméstico) e transporte da cannabis sativa.

[1] Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer.

[2] Canabidiol (CBD) e Tetrahidrocanabidiol (THC) são prescritos para os seguintes tratamentos: alívio de dor crônica e sintomas de esclerose múltipla ou outras doenças crônicas; tratamento da epilepsia; atua como paliativo de efeitos adversos da quimioterapia (https://act.med.br/uso-da-cannabis-em-tratamentos-medicos).

[3] https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/

Leave a Reply

<
Olá.

Você entrou em contato com o escritório de advocacia Damian & Stecker.

Caso você precise de um atendimento com urgência, favor ligar para 55 99923-3336 - plantão 24h.

Do contrário, conte-nos como podemos ajudar e tão logo entraremos em contato.