Antes da entrada em vigor da lei n. 13.964/2019, o delito de estelionato (art. 171 do Código Penal) era procedido por ação de iniciativa pública incondicionada. Portanto, a representação do ofendido era prescindível, desnecessária e indiferente para a investigação, denúncia e processo do delito de estelionato. Todavia, desde a entrada em vigor da lei n. 13.964/19, o procedimento do delito de estelionato se tornou condicionado à representação do ofendido (parágrafo 5º do art. 171 do Código Penal).
O Ministério Público, portanto, perdeu o poder incondicionado de denunciar alguém sem que exista prévia manifestação de vontade do ofendido. Não obstante, vale destacar que sequer o inquérito policial pode ser instaurado sem a representação do ofendido (art. 5º, parágrafo 4º, do Código de Processo Penal).
Ocorre que, quando a lei n. 13.964/19 entrou em vigor, o cenário foi de incerteza com relação às ações penais de estelionato em curso (denunciadas, processadas e ainda sem o trânsito em julgado) que não possuíam a representação do ofendido. A incerteza era tamanha que as Turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) divergiam entre si:
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- Quinta Turma do STJ: a exigência de representação só retroagiria até o momento da denúncia – se a denúncia tiver sido apresentada antes da vigência da lei n. 13.964/19, não haveria a retroatividade;
- Sexta Turma do STJ: a norma retroage até o trânsito em julgado da ação por estelionato, mas não leva a extinção automática da punibilidade, pois nestas hipóteses, a vítima deve ser intimada para manifestar o interesse na continuação da persecução penal;
- Primeira Turma do STF: o dispositivo não deve retroagir se a denúncia já tivesse sido apresentada antes da vigência da Lei n. 13.964/19;
- Segunda Turma do STF: por ser norma favorável ao réu, deveria ser aplicada de maneira retroativa e alcançar os fatos passados enquanto a ação estivesse em curso, pois seria regra em consonância com o princípio constitucional segundo o qual a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu.
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Em março de 2021, a Terceira Seção do STJ uniformizou o entendimento e a posição menos abrangente– da Quinta Turma – foi adotada.
Porém, no final de março deste ano (2023), o tema foi levado ao Plenário Virtual do STF com a finalidade de uniformizar o entendimento divergente na Corte e a posição mais abrangente – da Segunda Turma – foi adotado. O voto vencedor, da relatora ministra Carmem Lúcia, foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandoski, André Mendonça, Edson Fachin, Kassio Nunes e Rosa Weber.