A Constituição Federal (CRFB/88) definiu como direito fundamental e garantia constitucional a inviolabilidade do domicílio dos cidadãos brasileiros, conforme disciplina no seu art. 5º, inciso XI, possibilitando o ingresso da força policial, somente, nos casos em que haja: 1) o consentimento do morador; 2) situação de flagrante delito ou desastre; 3) prestação de socorro; e 4) ordem judicial (mandado de busca e apreensão), durante o dia (entre às 06:00h e 20:00h).

O objetivo do presente texto é esclarecer, especificadamente, acerca da possibilidade de ingresso policial por meio do consentimento do morador, tendo como base a unificação do entendimento/orientação pelas turmas penais do Superior Tribunal de Jusitça (STJ), frente ao julgamento  do HC 598.051, realizado pela Sexta Turma, com a relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, disponibilizado no DJe em 15/03/2021; e ao julgamento do HC 616.584, realizado pela Quinta Turma, com a relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, disponibilizado no DJe em 15/03/2021.

Um grande debate sempre esteve presente no tema, tendo em vista a dúvida que girava em casos em que as afirmações da força policial não condiziam com as alegações das pessoas acusadas, gerando o problema acerca do ônus da prova. Evidente que o ônus da prova em matéria processual penal o ônus da prova cabe à acusação (Estado), entretanto, há a questão da fé pública em torno das alegações da força policial.

Diante desse problema, o acórdão proferido pela Sexta Turma (HC 598.051) – e ratificado pela Quinta Turma (HC 616.584) – do STJ, estabeleceu 5 (cinco) teses centrais, sendo:

1) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.

2) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa, objetiva e concretamente, inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.

3) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.

4) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo, e preservada tal prova enquanto durar o processo.

5) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal dos agentes públicos que tenham realizado a diligência.

A unificação do entendimento pelas Turmas Penais do STJ – Sexta Turma (HC 598.051) e Quinta Turma (HC 616.584) – respeita o direito fundamental e a garantia constitucional acerca da inviolabilidade do domicílio (CRFB/88, art. 5º, inciso XI), especialmente quando os depoimentos entre a força policial e o acusado não são uníssonos, ou seja, quando o acusado afirma que não consentiu com o ingresso da força policial.

O registro detalhado do ingresso em domicílio deve ser produzido pela força policial, especialmente em situação de flagrante delito e consentimento do morador, demonstrando posteriormente a justa causa para o ingresso domiciliar e, em casos que demandam o consentimento, a autorização por escrito ou gravada do morador. Tal entendimento visa assegurar e, também, fazer valer o direito e garantia a inviolabilidade domiciliar em regiões de menor poder aquisitivo e que, frequentemente, o poder estatal somente chega através da força policial.

Não sendo comprovado pelo Estado (força policial e órgão acusador) a devida autorização (escrita e/ou gravada), a consequência jurídica é o reconhecimento da ilegalidade do ato e, consequentemente, a ilicitude de todas as provas produzidas na diligência policial.

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