No 23.03.2021, o Ministro da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, durante o julgamento do HC 164.493/PR, afirmou que “atrás, muitas vezes, da técnica de não conhecimento de habeas corpus, se esconde um covarde. E Rui [Barbosa] falava: ‘o bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde”. Diante da fala polêmica, questiona-se: em quais hipóteses é covardia o não conhecimento de habeas corpus?
Primeiramente, o habeas corpus é cabível “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal). Em tese, portanto, sempre diante de uma coação ilegal, a impetração do writ (habeas corpus) é cabível e a “ação autônoma de impugnação” deve ser conhecida.
Todavia, embora o habeas corpus seja sempre cabível, na legislação processual há previsão expressa de recursos específicos para decisões específicas (ex.: apelação, recurso em sentido estrito, embargos infringentes, agravo regimental, revisão criminal, recurso ordinário) e, por essa razão, nem sempre a via estreita do habeas corpus é a via adequada de impugnação.
Ocorre que, havendo a impetração de habeas corpus, mesmo este não sendo a via adequada, o Tribunal Superior quando diante de uma flagrante ilegalidade, possui a obrigação de se manifestar, independente de conhecer o habeas corpus, conforme expressa previsão legal e entendimento jurisprudencial consolidado. Nesse sentido, o saudoso ex-ministro do Pretório Excelso, Celso de Mello, afirmou que: “a ordem pode ser concedida “ex officio” quando se evidencie patente situação caracterizadora de injusto gravame ao “status libertatis” do paciente (STF, HC 186.421/SC).”
A jurisprudência citada, a seu modo, apenas consagra a previsão legal da possibilidade de concessão de habeas corpus, a qualquer tempo, de ofício pelo julgador (CPP, art. 654, § 2º):
Art. 654. § 2o Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
Assim sendo, com a devida vênia aos entendimentos restritivos sobre a utilização do writ, o Julgador, quando diante de uma situação de flagrante ilegalidade optar por não conhecer o habeas corpus e, por essa razão, não expedir a ordem de ofício, estará adotando uma postura omissiva e, nos termos ditos pelo Ministro Gilmar, covarde.
Por fim, importante registrar: a “flagrante ilegalidade” é o conceito central para a conclusão da discussão apresentada. Ora, se não houver ilegalidade, o Julgador poderá não conhecer o writ (por inadequabilidade da via) e não conceder de ofício a ordem de habeas corpus.
FD