A cadeia de custódia da prova foi devidamente positivada no ordenamento processual brasileiro através da Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, popularmente conhecida como “Lei Anticrime”, estando previsto os seus mandamentos no art. 158-A ao art. 158-F do Código de Processo Penal (CPP). Assim, tendo em vista a introdução da cadeia de custódia da prova no processo penal brasileiro, neste breve texto buscaremos esclarecer o que é a cadeia de custódia da prova e, também, qual a sua importância como instrumento defensivo.
Como ponto de partida é necessário trazer a conceituação da cadeia de custódia, sendo considerada “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”, nos termos do art. 158-A do CPP.
Além do mais, a positivação estabeleceu critérios que irão auxiliar na utilização e na consagração do referido instituto jurídico, tanto na forma teórica quanto na forma prática, tendo em vista que estabeleceu quando ela – cadeia de custódia – se inicia, quem são as pessoas obrigadas a manterem sua preservação, o local de armazenamento, bem como a sua conceituação e demais especificações.
Nesse ponto, ainda, há o tratamento acerca do rastreamento do vestígio, impondo as seguintes etapas: (1) reconhecimento; (2) isolamento; (3) fixação; (4) coleta; (5) acondicionamento; (6) transporte; (7) recebimento; (8) processamento; (9) armazenamento; e (10) descarte. Todas essas etapas estão descritas e conceituadas nos incisos do art. 158-B do CPP, o que traz uma segurança para o seu tratamento na prática e, também, no debate a ser conduzido pelo contraditório no processo penal, quando necessário.
Não só as etapas são determinadas e descritas, mas, também, é possível observar a criação, pela lei, de um centro de controle da própria cadeia de custódia da prova, nomeada ou classificada como “central de custódia” (CPP, art. 158-E), onde todos os Institutos de Criminalística deverão ter e manter para dar a devida preservação e a atenção com o manuseio dos vestígios, evitando-se o trânsito sem necessidade e a diminuição de contato com pessoas, substâncias etc. É regra, portanto, o cuidado dos vestígios desde a sua descoberta até a sua admissibilidade (ou não) no processo.
Portanto, é possível observar o dever de cuidado a ser dado aos vestígios (possíveis elementos probatórios) que possuem relação com o fato/crime, os quais, posteriormente, poderão fazer parte do conjunto probatório com capacidade de julgamento pelo magistrado e tribunais, por isso expresso o devido procedimento para o “registro histórico da prova”.
Entretanto, na legislação processual penal brasileira não há o tratamento acerca da quebra/violação da cadeia de custódia da prova, ou seja, a lei não estabeleceu a consequência jurídica, sendo um dos problemas a serem enfrentados pela jurisprudência e pela academia (doutrina). Embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tenha enfrentado o tema em dois casos (HC 160.662/RJ, em 2014, e REsp 1.795.341/RS, em 2019), e na doutrina nacional (academia) o tema começou a ser enfrentado e debatido, sobretudo pelo Prof. Geraldo Prado, não temos um entendimento predominante e que ofereça uma segurança jurídica.
Sucintamente, podemos constatar a existência de 3 (três) entendimentos: (1) no campo da admissibilidade; (2) no campo da valoração; e (3) no campo das nulidades. A primeira corrente sustenta que a violação implica na ilegitimidade (ilicitude) da prova, ou seja, o tratamento é de prova ilícita (derivada) e de sua inadmissibilidade no processo (CPP, art. 157, § 1º). Em que pese a cadeia de custódia não seja a prova em si, mas a “prova da prova”, sua violação gera a contaminação da prova por derivação, tendo em vista que afeta diretamente a autenticidade da prova (fiabilidade) e há a impossibilidade do efetivo exercício do contraditório. A segunda corrente defende que a violação se trataria de um tipo de vício que deve ser tratado no campo da valoração da prova (CPP, art. 155). Já a terceira corrente entende que a violação deve possuir o tratamento dado à nulidade processual relativa, onde acreditam que o tratamento a ser dado à não observância das regras deve ser conforme a teoria do “prejuízo”, ou seja, a violação seria uma nulidade relativa (CPP, art. 563).
Cabe, ainda, ressaltar a importância do juiz das garantias (juiz da instrução) e sua relação com a análise da violação ou não da cadeia de custódia da prova, visto que é quem pode/deve realizar o juízo de admissibilidade ou não da prova – e o seu ingresso no conjunto probatório – sem ferir o contraditório e a imparcialidade do juiz no processo, realizando um verdadeiro controle da legalidade (sem qualquer expectativa futura).
Por fim, indaga-se: qual a sua importância como instrumento defensivo?
A cadeia de custódia da prova busca assegurar o “registro histórico do vestígio” e garantir a fiabilidade probatória, ou seja, para que seja possível afirmar que se trata do mesmo vestígio, sem alteração/manipulação/contaminação, desde o seu reconhecimento (princípio da mesmidade). Possui “efeito dissuasório” com o objetivo de inibir as ilegalidades na investigação criminal (práticas ilegais para obter a punição).
É um instrumento defensivo pelo qual a defesa pode exercer efetivamente o contraditório, a fim de averiguar a fiabilidade probatória da acusação, e que possibilita um controle dos atos realizados pelas agências penais. O acesso a toda a cadeia de custódia da(s) prova(s) é imprescindível à defesa, uma verdadeira garantia processual, não só sustentada pela ampla defesa e pelo contraditório, mas, também, pela paridade de armas, especialmente no processo penal, visto que ônus da prova cabe exclusivamente à acusação.